19 abril 2007

A Petróleo Ipiranga e Juan Ganzo Fernandez

Juan Ganzo Fernandez aos 50 anos.


Na minha incansável busca por dados que possam nos reconstituir a obra e a vida de nossos antepassados, mais uma vez vasculhava a internet e por coincidência, deparei-me com estes artigos publicados no Jornal Agora de Rio Grande, RS, datados de 10 e 17 de abril (sábados).
Lendo o artigo, percebe-se que fôra dividido em capítulos... provavelmente, 3 capítulos que estão sendo publicados semanalmente. Aqui, trago os capítulos 1 e 2 da matéria. No sábado, 21 de abril de 2007, estarei publicando o terceiro capítulo.
Os links diretos às páginas deste jornal são estes: http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=46¬icia=30054
http://www.jornalagora.com.br/site/index.php?caderno=46&noticia=30309



Refinaria Ipiranga: o grão de areia que virou montanha

Há trinta anos atrás, um dos fundadores da Refinaria Ipiranga o Eng. Francisco Martins Bastos publicou um artigo chamado Nossa História na Revista Ipiranga (nº 68, ano 1977). Era a edição comemorativa aos 40 anos do surgimento da refinaria, a qual, neste ano de 2007, está completando 70 anos de existência. A transcrição que começa a ser feita nesta edição busca divulgar aos leitores a visão da história da Refinaria a partir de um dos principais personagens de sua trajetória: o engenheiro Bastos. Neste momento em que a empresa passa a ser administrada pela Petrobrás, amplia-se em nível local o interesse pela história e acontecimentos ligados a Ipiranga, que teve por berço Rio Grande e que daqui ramificou-se em empresas petroquímicas e de distribuição, que chegaram a um capital de bilhões de dólares.



AS PRIMEIRAS INICIATIVAS



No prefácio do artigo, Francisco Martins Bastos destacou as motivações que o levaram a escrever: "A história de um País ou de uma Companhia, poderá ser romanceada, diante de fatos passados que a imaginação do historiador faz aparecer como verídicos, uma vez que as fontes fiéis de informação são, muitas vezes, difíceis de ser encontradas. Nosso intuito ao escrevermos a história da Ipiranga é justamente evitar que – para o futuro – seja criado esse romance em torno dos fatos e aparecimentos da nossa Companhia, uma vez que hoje, para felicidade de todos, aqui trabalham muitos dos que colocaram as pedras dos alicerces da nossa Empresa e que poderão, como testemunhas, confirmar aquilo que nos propusemos escrever. Procuramos orientar a história da Ipiranga de forma honesta, clara e mais sucinta possível, sem prejudicar, com esta última característica, a apreciação detalhada dos eventos mais importantes. Desejamos, por outro lado, que todos os que aqui labutam possam dizer, sempre que necessário, como foi constituída a nossa Companhia, bem assim como ela se desenvolveu. Se alcançarmos esse desideratum sentir-nos-emos muito felizes e, acreditamos, teremos contribuído para que a nossa Empresa seja conhecida e admirada, pois é sabido por todos que ela nasceu como um grão de areia, sendo hoje uma montanha.
Para estudarmos a vida da Ipiranga, teremos de remontar à constituição da primeira refinaria de petróleo do país, a Destilaria Rio-grandense de Petróleo S/A, de Uruguaiana (RS), ali constituída em março de 1933, e que teve o início de sua operação no dia 26 de novembro de 1934. Um grupo de capitalistas de Uruguaiana que, por razões de ordem comercial ligadas ao mercado do Rio Grande do Sul, transacionava na Argentina, ficou, por esse motivo, vinculado a elementos que, naquele país, atuava, também, na indústria do petróleo. Foi assim que os comerciantes Eustáquio Ormazábal e João Francisco Tellechea, radicados em Uruguaiana, mantiveram contatos com os também comerciantes Raul Aguiar e Manuel Morales, este último forte acionista de uma pequena refinaria de topping localizada em Avellaneda, província de Buenos Aires, conhecendo, portanto, comercialmente, o problema do petróleo e seus derivados. Resolveram, essas pessoas, de comum acordo, montar uma refinaria similar à primeira, na cidade de Uruguaiana, nas margens do rio Uruguai, em frente à cidade Argentina de Passo de Los Libres. Encarregou-se do projeto o Eng. Esteban Polanski. O petróleo seria enviado à nova refinaria, em trânsito pela República Argentina até o porto de Buenos Aires, e dali transportado em vagões-tanques a Passo de Los Libres. Baldeado para uma chata-tanque, seria finalmente descarregado nos tanques da refinaria que se situava no outro lado do rio Uruguai.
A matéria-prima destinada a então primeira refinaria nacional, a Destilaria Rio-grandense de Petróleo S/A, era de origem equatoriana e adquirida da Lobitos Oilfields Limited. Trazido do terminal equatoriano até Buenos Aires, o petróleo era armazenado em tanques, pela própria transportadora, a Companhia General de Combustibles. Matéria-prima magnífica, utilizada, havia alguns anos, pela Refinaria El Condor, da Argentina. Assim, a Destilaria atendia inicialmente às praças de Uruguaiana, Alegrete, Quarai e Itaqui.
Entretanto, mal principiara a funcionar quando o governo argentino – no ano de 1937 – por um decreto-lei, proibiu a reexportação de petróleo através do seu território. Respeitou, porém, os contratos vigentes na ocasião dando uma demonstração de justiça. Concedeu à Destilaria Rio-grandense de Petróleo, S/A, o prazo de um ano para regularizar a situação, quanto à matéria- prima necessária à sua indústria. Após a expiração do prazo, ficaria impossibilitada de receber petróleo através de Passo de Los Libres. De um momento para outro, portanto, a Destilaria Rio-grandense ficou com um grave problema a resolver, com respeito ao suprimento do petróleo de que carecia.

CONSTITUIÇÃO DA REFINARIA

Procurou-se, então, a única solução viável para o caso: a instalação de um tanque de 80.000 barris no porto do Rio Grande. Receberia naquele tanque o petróleo bruto e o despacharia em vagões-tanques até Uruguaiana. Ao mesmo tempo em que a Destilaria Rio-grandense de Petróleo S/A, procurava uma solução para o seu suprimento, um grupo de capitalistas uruguaios entrava em entendimento com elementos brasileiros, para montagem de uma pequena refinaria em Santana do Livramento (RS), a qual deveria receber a matéria-prima em trânsito pela vizinha República Oriental do Uruguai. Esse grupo era integrado pelos senhores Juan Ganzo Fernández, Numa Pesquera, Luís J. Supervielle e Abel Pesquera.
As pessoas que faziam parte da Destilaria de Uruguaiana e da projetada refinaria de Santana do Livramento mantinham entre si relações de amizade, e, assim, não foi difícil encontrar-se um denominador comum que, indo ao encontro dos interesses de ambos os grupos, resultou na montagem de uma pequena refinaria no Rio Grande (RS) ao invés de seguir, cada grupo, os seus projetos iniciais.
A montagem da refinaria no Rio Grande visava evitar que a matéria-prima, armazenada no tanque de 80.000 barris, ficasse por um longo tempo sem ser utilizada, o que representaria uma imobilização muito grande de capital. Por outro lado, essa pequena refinaria utilizaria parte da matéria-prima estocada que não fosse empregada, de imediato, pela Destilaria Rio-grandense. Haveria, assim, uma mais rápida utilização do petróleo bruto recebido. Das conversações mantidas entre os dois grupos, resultou como melhor solução à montagem da refinaria no Rio Grande, para o que se constitui uma sociedade com a denominação de Ipiranga S/A, Companhia Brasileira de Petróleo. O ato de constituição dessa sociedade foi realizado em Porto Alegre, no dia 6 de agosto de 1936, assinando os representantes dos três grupos interessados. Pelo lado brasileiro, os srs. Eustáquio Ormazábal, João Francisco Tellechea, Her Ribeiro Mattos e Oscar Germano Pereira; pelo argentino, os srs. Manuel Morales e Raul Aguiar; pelo uruguaio, os srs. Juan Ganzo Fernandez, Numa Pesquera, Luís J. Supervielle, Carlos Alberto Clulow, Manuel Ferrería e Abel Pesquera. A primeira diretoria da Ipiranga S/A, Companhia Brasileira de Petróleo, ficou assim constituída: srs. Manuel Morales, Numa Pesquera, Eustáquio Ormazábal, Luís J. Supervielle, Her Ribeiro Mattos e Abel Pesquera.
As providências iniciais da Diretoria eleita tiveram como objetivo obter um terreno para a montagem da refinaria, e conseguir vagões-tanques para o transporte do petróleo bruto que deveria abastecer a Destilaria Rio-grandense de Petróleo S/A, em Uruguaiana. A Viação Férrea do Rio Grande do Sul adquiriu, então, os vagões necessários aquele transporte. O Governo do Estado, que tinha como mandatário o General José Antônio Flores da Cunha, cedeu, por arrendamento, 4 hectares de terra, localizados em frente ao porto do Rio Grande, junto à antiga Cia. Swift do Brasil S/A, a fim de que, nessa área, fosse instalada a nova indústria, que muito interessava ao nosso Estado". Na próxima edição terá continuidade a transcrição deste artigo de Francisco Martins Bastos. Nas fotos, a Refinaria Ipiranga em 1943.



O grão de areia que virou montanha II


Tem continuidade a transcrição do artigo do Eng. Francisco Martins Bastos chamado Nossa História na Revista Ipiranga (nº 68, ano 1977). O título da matéria "o grão de areia que virou montanha" foi retirado do próprio artigo de Bastos. Em seu relato, constata-se as grandes dificuldades para operacionalizar a refinaria em seus primórdios, num esforço continuado de administrações que se ramificou na distribuição, petroquímica entre outras atividades. O resultado de 70 anos de atividades está na recente venda do grupo quando os valores do negócio chegaram a 4 bilhões de dólares, o maior negócio já realizado na história do Rio Grande do Sul.
Nos banhados, surge a refinaria
"Como o Eng. Esteban Polanski se encontrasse acidentado na cidade de Buenos Aires, não lhe foi possível tomar o encargo de projetar a refinaria de petróleo a ser instalada no Rio Grande (RS). Dessa forma, encarregou-se do projeto o Eng. Eduardo Elli, tendo ficado estabelecido que a capacidade da refinaria seria de 1.500 barris por dia, sendo a matéria-prima fornecida pela Lobitos Oilfelds Ltd. Preparado o projeto e feita a compra da maquinaria que se tornava indispensável, foi providenciado o embarque do equipamento para o Rio Grande.
Tornou-se, porém, necessário obter permissão do Governo da União, que embargou a construção da refinaria, na área que o Estado lhe havia cedido por arrendamento. Alegou, para isso, que faltava ser referendado pelo Governo Federal o ato do governo gaúcho e que a área não poderia ser usada para o fim previsto, uma vez que havia um decreto-lei aprovando um plano de urbanização da mesma. Somente mediante um novo decreto anulando o anterior e depois de outro cedendo a área – que já havia sido arrendada – é que se poderia dar a licença federal para localização, ali, de uma indústria...
Diante desse impasse de solução difícil, para não dizer impossível, dada a premência do tempo, resolveu a diretoria procurar uma forma para resolver a questão, adquirindo uma área onde fosse possível instalar a refinaria, cuja maquinaria, em grande parte, já se encontrava no Porto do Rio Grande.
A solução não era fácil, porque o terreno a ser comprado deveria preencher uma série de condições, que o tornavam difícil de encontrar numa cidade antiga como o Rio Grande. Essas condições eram: área de 10 a 12 hectares; fácil ligação ao cais do porto através de oleoduto; fácil ligação à rede de água potável da cidade; fácil ligação à rede elétrica; ligação à linha da Viação Férrea e possibilidade de acesso rodoviário da refinaria à cidade. Sendo as dificuldades quase intransponíveis, vieram, todavia, evidenciar a grande vantagem de possuir a cidade um administrador inteligente, dinâmico e homem de visão. O Eng. Antonio Meireles Leite, então Intendente Municipal, não se deixou amedrontar pelas dificuldades surgidas e resolveu enfrentá-las, cooperando, ao máximo, para que a solução fosse encontrada. Procurou ele assim evitar que a nova indústria deixasse de se instalar no Município por falta de eficiente colaboração do poder público. Depois de um estudo minucioso do problema, chegou-se à conclusão que os únicos terrenos que preenchiam as exigências eram os localizados nos banhados do terrapleno Oeste. Esses terrenos, embora fossem mangues, poderiam ser aproveitados, uma vez aterrados. Ficavam perto do cais do porto, da rede hidráulica, da rede elétrica e, por eles, passava a linha da Viação Férrea.
A Intendência procurou então facilitar a solução do problema adquirindo do dr. Antonio Bento Primo duas áreas de terreno no terrapleno Oeste por 50:000$000 (cinqüenta contos de réis). Uma dessas, 12 hectares, foi imediatamente cedida, por venda, à Ipiranga pelo mesmo valor, fiando a Intendência, gratuitamente, com a outra área de 6 hectares, aproximadamente, no prolongamento da rua Duque de Caxias, por ter servido de intermediária no negócio. Ganhou, pois, a cidade do Rio Grande, graças à ação de seu intendente municipal, uma nova indústria e uma área de terreno. Estava vencida a primeira parte da batalha. O terreno havia sido conseguido, mas era um banhado sem qualquer acesso, a não ser a linha da Viação Férrea que passava em frente. Tratou-se com urgência de providenciar o aterro.
Mediante pagamento, o Governo do Estado autorizou que a draga que se encontrava em frente à estação marítima da Viação Férrea fizesse o recalque do aterro hidráulico necessário – cerca de 120.000 metros cúbicos – a fim de tornar o terreno em condições de receber as instalações da refinaria.
Diante da boa vontade encontrada por parte do Governo do Estado, do Governo do Município e da administração do porto local, iniciou-se imediatamente o aterro citado e, à medida que progredia, iam sendo levantados os edifícios que se tornavam mais necessários para o funcionamento da refinaria projetada. Iniciado o aterro em novembro de 1936, graças ao trabalho desenvolvido, já em 7 de setembro de 1937 a Ipiranga S/A, Companhia de Petróleos iniciava as suas atividades comerciais.
A fase de instalação, propriamente dita, havia sido vencida. O projeto fora executado com uma rapidez verdadeiramente surpreendente, considerando os recursos com que contávamos, naquela época, no Rio Grande. Os grandes problemas, entretanto, começavam a aparecer, pois numa refinaria, como em toda indústria, a máquina representa unicamente uma parcela da atividade. A outra, a mais importante, é o elemento humano, que faz essas máquinas produzirem dentro de satisfatórias condições técnicas e econômicas.
A indústria da refinação de petróleo era uma novidade no Brasil e, além disso, uma iniciativa ousada de um grupo de sul-americanos que, estimando a nossa terra, desejava encontrar uma solução para o problema que mais tarde viria a empolgar todos os brasileiros, os quais reconheceriam como de verdadeira importância para o país.
Não possuímos, entretanto, técnicos especializados em petróleo; também não dispúnhamos de operadores para as unidades da refinaria. Nas escolas de engenharia, a palavra petróleo praticamente não aparecia nos livros que usávamos e, em verdade, era um assunto desconhecido dos professores. Logo, os técnicos formados no Brasil eram alheios ao problema. Era, porém, entre esses técnicos, que a nova indústria deveria ir procurar os elementos que, mais tarde, representassem a garantia do sucesso da organização que surgia. O engenheiro que projetara a refinaria, por razões que aqui não cabem mencionar, desentendeu-se com a administração superior da sociedade, e os seus serviços foram dispensados.
Para trabalhar como operadores na nova indústria, foram enviados da Argentina três capatazes que se diziam experts em petróleo. Segundo alguns dos diretores, vinham com uma grande bagagem de conhecimentos teóricos e práticos, que os habilitavam como operadores de unidade de topping na Argentina. No primeiro contato com esses técnicos – ou melhor, com esses capatazes – verificamos que desconheciam completamente o problema. Apesar disso, possuíam maior experiência do que os elementos com os quais poderíamos contar aqui no Rio Grande, pois enquanto os capatazes argentinos já tinha lidado com petróleo, de uma forma ou de outra, os nossos nunca haviam visto essa substância!" Na próxima edição, terá continuidade a transcrição deste artigo de Francisco Martins Bastos. Nas fotos, panorâmica da Refinaria Ipiranga na década de 1940 e flagrante dos primórdios com destaque para o Eng. Bastos com roupa clara.

O grão de areia que virou montanha III

Continuando a transcrição do artigo do eng. Francisco Martins Bastos chamado Nossa História na Revista Ipiranga (nº 68, ano 1977), destacamos as dificuldades operacionais para o funcionamento da Refinaria em seus primórdios. A arte de refinar petróleo é relatada de forma coloquial e criativa, num período de aprendizagem quase artesanal.

A difícil arte de refinar petróleo

“Com o afastamento do engenheiro que projetara a refinaria, foi, então, por escolha dos diretores, designado um engenheiro brasileiro para assumir a superintendência da parte técnica. Esse engenheiro, desde os primeiros dias, vinha participando, ativamente, dos trabalhos de montagem das instalações.
A condição para assumir as novas funções, segundo declaração daquele técnico, fora de que, desconhecendo completamente os problemas fundamentais com que teria de lidar, só aceitaria a incumbência como simples administrador no âmbito geral da fábrica. Condicionou a sua permanência no cargo aos resultados que fossem obtidos na operação das unidades de destilação pelos capatazes vindos da Argentina. Aceitas as condições, procurou o novo administrador cercar-se de elementos que garantissem, pelo menos, o futuro da Companhia, dentro de um cenário o mais técnico possível. Com essa finalidade, foi a Porto Alegre e a outras localidades do Estado, contratar rapazes com cursos especializados no Instituto Parobé e outros estabelecimentos de ensino técnico, de reconhecido valor educacional. Esses moços, que seriamos futuros operadores da indústria, viriam aprender os segredos da refinação do petróleo, com os experimentados capatazes vindos de fora. Dentre os que vieram, até hoje, felizmente, ainda colaboram conosco, para o engrandecimento da nossa empresa, os senhores Dario Dolci e Amelito Barbosa. Os outros, por ocasião da Segunda Grande Guerra, foram seduzidos, por ofertas melhores de outras empresas e abandonaram a nossa Companhia.
Desde o início da montagem contávamos também com a colaboração de dois técnicos brasileiros, os engenheiros. Tomás Paes da Cunha Fº e Heitor Amaro Barcelos. Quando iniciávamos a operação das unidades fomos procurar também um químico, para que se encarregasse do laboratório. A escolha recaiu no químico industrial João Câncio de Miranda Jr.
A parte comercial da Companhia estava sendo cuidada por dois profissionais de nacionalidade uruguaia, que tinham experiência nesse setor, pois já haviam desempenhado cargos semelhantes na refinaria da Ancap, no Uruguai. Eram eles, o sr. Carlos Alberto Clulow, que exercia as funções de gerente, e o sr. Américo Proto Barbieri, seu assistente. A contabilidade estava entregue ao sr. Artur Luís Armando de Souza, que, anteriormente, havia exercido o cargo de contador da Destilaria Rio-grandense de Petróleo, S/A, de Uruguaiana. Com esses colaboradores e sem nenhum conhecimento da matéria, lançamo-nos à luta, dispostos a encontrar solução para os inúmeros inconvenientes de operação que surgiam a todo o momento e que se refletiam, de maneira desastrosa, na parte econômica e financeira da novel companhia que surgia.
Desde o primeiro momento, deparamos com uma série de dificuldades na operação das unidades. Eram elas decorrentes de defeitos de projeto e falta de conhecimento dos capatazes que haviam sido enviados pela refinaria de Buenos Aires para ensinar nossos operadores. Verificando que a situação cada dia se tornava mais difícil e que o nosso conhecimento técnico, na matéria, era praticamente nulo, resolvemos convocar uma reunião da diretoria, para expor claramente o assunto. Informamos, pois, que o problema operacional da unidade de topping ficava no seguinte pé: a diretoria deveria contratar imediatamente um técnico especializado em refinação de petróleo, que viesse examinar a refinaria, dando as sugestões precisas para remover as dificuldades encontradas e conseguir o seu perfeito funcionamento.
Recebemos, então, a visita do eng. Esteban Polanski, que desde o primeiro momento nos cativou em todos os sentidos, não só pela capacidade técnica com também por seu um profundo conhecedor da matéria. Capacidade de improvisação para resolver os problemas, simplicidade e modéstia, era o seu apanágio. Cremos que a simpatia foi recíproca, pois no mesmo dia ele comunicou aos diretores que ficaria no Rio Grande, para estudar os problemas que nos afligiam e ensinar aos técnicos locais a difícil e aqui desconhecida arte de refinar o petróleo.
Achou ser possível uma solução gradativa para as várias dificuldades, sem a necessidade de paralisação das unidades de refinação. Começaram então os engenheiros Paes da Cunha, Heitor Barcelos, Miranda Jr. e o Superintendente, a receber aulas ministradas pelo eng. Polanski. Esses ensinamentos eram ministrados à noite, uma vez que, no período de trabalho normal, a atenção de todos estava voltada para os serviços de rotina da Refinaria. Além desses serviços, da mais relevante importância, o eng. Polanski dedicava-se, na parte de laboratório, a orientar o nosso químico e, na parte dos projetos, a estudar as modificações mais urgentes na planta industrial, para fazê-la trabalhar economicamente. Depois de uma semana de estudos e trabalho intenso, já estávamos aptos a começar a ‘somar em petróleo’ e, com estas primeiras lições, a resolver os problemas mais simples que surgiam na parte operacional das unidades. Com isto, salvamos parte das vendas da Refinaria de um colapso.
Havia, entretanto, necessidade de introduzir muitas modificações na unidade, quando para atender a compromissos anteriores, o eng. Polanski teve de voltar a Buenos Aires. Deixou-nos, porém, trabalhos específicos para que os iniciássemos e executássemos nos três meses que deveria durar a sua ausência. Mesmo com as unidades em trabalho, deveríamos realizar as modificações planejadas, seguindo as normas por ele recomendadas, anotando todas as dificuldades que fossem surgindo na operação, a fim de que, na próxima vez, quando do seu retorno, pudéssemos discutir os casos em detalhes, com dados concretos. Tínhamos um mestre que sabia ensinar; que se havia tornado amigo de todos; e que se manifestara um grande idealista. Armados com os seus ensinamentos e edificados pelo seu espírito, lançamo-nos à luta pela emancipação técnica da Ipiranga (...) Graças ao ensinamento do eng. Polanski, à sua extraordinária capacidade de improvisação técnica, a Ipiranga deixou de sofrer um grande colapso, que certamente a teria levado ao insucesso e à falência. Esse colapso, do qual tanto nos avizinhávamos e do qual nos afastamos pelas mãos sábias do eng. Polanski, poderia mesmo ter desencorajado qualquer outro empreendimento similar no futuro, pois seria, sem dúvida, apontado como exemplo aos que se quisessem lançar num campo tão difícil e praticamente desconhecido em nossa Pátria.
(...) Estávamos todos empenhados em solucionar os problemas técnicos, pois deles dependiam, como era natural, a vida e a continuidade da nossa Companhia. Entretanto, talvez por ignorarmos naquela época os detalhes da parte comercial, não nos apercebíamos de um outro grave problema que se avizinhava, de proporções tais que bastante se assemelhava ao que havíamos vencido no setor da produção industrial. A refinaria produzia, os 4 produtos básicos: gasolina, querosene, óleo diesel e fuel oil (óleo combustível pesado). Não encontrava nenhuma dificuldade para colocar a gasolina e óleo diesel. Por outro lado, não consegui vender um litro de querosene, ou de fuel oil. Para obtenção de cada litro de gasolina tínhamos forçosamente de produzir uma determinada quantidade desses dois produtos. Assim, sendo limitada a nossa capacidade de armazenamento, chegaria o dia em que teríamos de parar a refinaria, por não haver onde estocar o querosene e o fuel oil. Morreríamos afogados nos produtos que estávamos produzindo”.
Na próxima edição, terá continuidade a transcrição deste artigo de Francisco Martins Bastos. Nas fotos, a construção do primeiro posto de vendas de combustível, o Posto Um; ônibus da Refinaria Ipiranga nos primórdios da década de 1940.


O grão de areia que virou montanha (final)

Nessa edição, encerro a transcrição do artigo do engenheiro Francisco Martins Bastos “Nossa História” na Revista Ipiranga (nº 68, ano 1977), salientando que devido aos limites de espaço, neste último número da série, adaptei algumas passagens da publicação original até o ano de 1953. Bastos prossegue o seu relato histórico até a década de 1970. O autor, que acompanhou desde os primórdios a trajetória da Refinaria Ipiranga e que teve destacada participação em atividades sociais, culturais e intelectuais na cidade do Rio Grande, é natural de Uruguaiana, onde nasceu a 1º de março de 1907. Portanto, o centenário do seu nascimento deve ser lembrado, assim como o bicentenário do Almirante Tamandaré, comemorado também em 2007.

A mentalidade do petróleo e superando dificuldades

“Mais uma vez, entretanto, a capacidade criadora do engenheiro Polanski veio em socorro da nossa Companhia. Vendo que não havia colocação para o fuel-oil – uma vez que, até então, as caldeiras a vapor existentes no Estado consumiam, em sua quase totalidade, carvão nacional ou lenha – o eng. Polanski resolveu montar, com a máxima urgência, uma fábrica de óleos lubrificantes, utilizando, como matéria-prima, o fuel-oil que não podíamos vender no mercado. (...) Iniciávamos assim a produção e a venda de lubrificantes para motores de combustão interna ou de explosão, bem como para máquinas a vapor.
(...)Quando o grupo de capitalistas que fundou a Ipiranga se lançou nesse empreendimento, não existia no país qualquer lei restritiva à aplicação de capital estrangeiro, bem como qualquer regulamentação ligada às atividades da indústria da refinação de petróleo. A Ipiranga era um empreendimento pioneiro, que vinha lutar por um lugar ao sol em nossa Pátria, procurando criar aqui uma mentalidade de petróleo que já existia, na época, na Argentina e no Uruguai. No Brasil, ninguém tivera a coragem de se lançar num empreendimento dessa natureza, temendo a concorrência das companhias distribuidoras já estabelecidas no mercado brasileiro. Obrigaram-se, assim, esses homens que organizaram a Companhia, a enfrentar a falta de confiança na parte de obtenção de créditos bancários, uma vez que os bancos não acreditavam – como a maioria dos que contemplavam a iniciativa – que uma empresa do porte da Ipiranga pudesse subsistir, concorrendo com outras entidades de grandes recursos e experiência.
Aliados às dificuldades de operações creditícias junto aos bancos, estavam os inconvenientes já mencionados, devendo-se o primeiro deles ao sentido técnico e o segundo a concorrência das companhias distribuidoras no mercado consumidor. Sendo assim, os trabalhos iniciais da Ipiranga foram pontilhados de obstáculos que, somente graças ao espírito forte dos que nela se encontravam e a fé que tinham no empreendimento, poderiam continuar sendo enfrentados e sobrepujados. Parece-nos hoje que uma força superior nos impulsionava ao trabalho, apesar de todos os empecilhos que nos surgiam pela frente. Dir-se-ia que se procurava saber se tínhamos ou não condições e capacidade de sobrevivência, na constante luta que enfrentávamos. Quando esse grupo de homens que sem esmorecimento se empenhava em perseguir um ideal e já começava a ter a esperança de que os problemas estavam em grande parte solucionados e que a indústria se firmaria economicamente, foi que desabou sobre eles o golpe maior, atingindo toda a Companhia. O governo, pelo Decreto-Lei 395, de 29 de abril de 1938, nacionalizou a indústria da refinação de petróleo, (...) só poderiam ser acionistas de refinarias de petróleo, brasileiros natos quando solteiros, ou casados com brasileiros natos, quando o regime matrimonial fosse o da comunhão de bens. Assim, com uma penada somente, foram postos fora da nossa Companhia e também fora do Brasil, aqueles homens que, por idealismo, tinham vindo arriscar o seu capital para criar uma nova indústria em nossa terra. (...) É de justiça que se preste uma homenagem a esses homens, de nacionalidade uruguaia e argentina, que foram enxotados da nossa terra, quando aqui vieram arriscar o seu dinheiro para criar alguma coisa útil ao futuro da Pátria. Com o passar dos anos eles poderão ser esquecidos, mas nós desejamos que, pelo menos nestas páginas, os seus nomes fiquem lembrados por alguém que os aponte como os pioneiros, que vieram criar no Brasil uma mentalidade nova e confiança na indústria da refinação do petróleo. São os seguintes: Numa Pesquera, Manuel Morales, Eustáquio Ormazábal, Juan Ganzo Fernandes, Raul Aguiar, Carlos Clulow, Manuel Ferrería, Abel Pesquera, Luis J. Supervielle, Júlio Mailhos e Angel Aller.
(...) Mal tínhamos recomeçado a vida normal, quando surgiu outro grande problema, que afetaria diretamente a vida da nossa Companhia. Em 1º de setembro de 1939, isto é, um ano depois de termos sofrido o impacto da nacionalização, estávamos enfrentando as dificuldades oriundas do início da Segunda Grande Guerra. Os seus efeitos, como era natural, teriam de se refletir na nossa indústria, que utilizava matéria-prima – petróleo – básica para as atividades bélicas. (...) Nessa época, a Refinaria Ipiranga importava o petróleo bruto da República do Equador. Os carregamentos passavam pelo Estreito de Magalhães utilizando navios petroleiros de bandeira argentina. O Brasil possuía somente dois petroleiros. O primeiro inconveniente surgiu com a falta de petróleo. Os beligerantes, desejando aumentar o volume dos seus estoques de petróleo, bem como de destilados, empenhavam-se em conseguir todos os navios disponíveis, para levar-lhes a matéria-prima ou os refinados de que careciam. Procuravam, em longos comboios, furar o bloqueio que os submarinos alemães impunham nas rotas de abastecimento. Além das nações em guerra, as neutras precisavam também dos mesmos produtos e, dessa forma, o petroleiro argentino deixou de transportar petróleo para o Brasil, passando a fazê-lo para a vizinha república que, como as demais nações, sentia os efeitos da guerra. Ficamos, assim, sem petroleiros e com grandes dificuldades para conseguir um, de bandeira neutra, que fizesse o abastecimento da nossa Refinaria.
(...) Em 1942, ainda cambaleantes sob o peso desses problemas, outro ainda mais grave veio aumentar o nosso pesado fardo, com a entrada do Brasil na guerra. Com isso o bloqueio alemão apertou ainda mais o cerco, de forma que ficamos impossibilitados de receber petróleo bruto de qualquer parte. (...) [Com o apoio do presidente Getúlio Vargas foi enviado] o navio Recôncavo para trazer do mar das Antilhas o nosso abastecimento de petróleo, através de uma zona intensamente vigiada pelos submarinos alemães. Felizmente, porém, a estrela da Ipiranga continuava a brilhar e o suprimento chegou ao Rio Grande, algum tempo depois, sem qualquer anormalidade. Com o recebimento desse carregamento de petróleo, a refinaria voltou a operar. Todos na Companhia eram conhecedores dos sacrifícios e incertezas, que representavam para o país, o transporte de um embarque de petróleo até o Rio Grande. Não desconheciam também o valor e os benefícios dele decorrentes, caso os produtos fossem racionalmente utilizados, movimentando nossas usinas, as máquinas das indústrias, a maquinaria agrícola, etc. (...) A nossa Companhia já era reconhecida de interesse militar (Decreto Lei nº 18730, de 16 de abril de 1945) e seus funcionários eram considerados como mobilizados na própria indústria (Decreto Lei nº 4.937, de 9 de novembro de 1942). Surgiu, assim, em decorrência das exigências do momento, uma nova indústria no país, na qual a Ipiranga foi também a pioneira e que significava, ainda a evolução da refinaria, já mostrando o grande papel que desempenharia no futuro, produzindo solventes especiais para a indústria nacional. Após a guerra, o aperfeiçoamento dos motores de explosão continuou a exigir uma gasolina com um índice de octanas superior ao usado antes do conflito, obrigando as empresas a adaptar as suas unidades de forma a atender as exigências do mercado consumidor. Iniciamos os contatos para a montagem de uma unidade de cracking em nossa planta industrial. (...) E, em 21 de setembro de 1953, com a presença do sr. presidente da República, dr. Getúlio Dorneles Vargas, inauguramos, oficialmente, as novas instalações, iniciando um novo período na vida da Ipiranga...”