31 agosto 2006


Os Ganzo, o rádio gaúcho e o telefone no sul do Brasil


Viajar estava no sangue do empresário Juan Ganzo Fernandez, que se dividia entre o Uruguai, o Brasil e a Europa. Na Banda Oriental, este espanhol das Ilhas Canárias encontrou a pátria de adoção – adoção política nas fileiras do Partido Nacional, dos líderes blancos da família Saravia, ao lado dos quais esteve lutando nas revoluções de 1897 e 1904. Dos entreveros contra os colorados, trazia o título de coronel, que ostentava com orgulho.
Já o Brasil era o lar escolhido, da família e dos negócios, com destaque para a Companhia Telefônica Rio-grandense, criada e presidida por ele. Da Europa, Ganzo vinha sempre com novidades. Em meados dos anos 20, não foi diferente. De uma viagem ao Velho Mundo, trouxe a idéia, ainda indefinida, do rádio, a qual, mais do que a ele próprio, vai seduzir a Juan Edison Ganzo Fernandez, o filho, batizado conforme uma mania familiar de homenagear inventores, no caso o da lâmpada incandescente, o norte-americano Thomas Edison.
A rigor, o que o coronel Ganzo propunha não era o rádio propriamente dito, como explicaria, nos anos 70, um dos integrantes do grupo de pioneiros que começava a se formar, Evaristo Bicca Quintana:– O Edison, eu mesmo e mais alguns amigos nos empolgamos com a idéia que nos expôs o coronel Juan Ganzo Fernandez, que conhecera, na Europa, as emissões domiciliares através do telefone.
A utilização das linhas da Companhia Telefônica Rio-grandense era uma forma engenhosa de driblar a ausência de receptores e, talvez, engordar a receita da empresa. Enquanto Ganzo procura convencer seus colegas de diretoria, o núcleo de entusiastas que, mais tarde, daria origem à Rádio Sociedade Rio-grandense torna públicas suas intenções, em 3 de abril de 1924, graças ao bom relacionamento com os jornalistas de A Federação, alguns deles também atraídos pela idéia:“Um grupo de jovens aqui residentes pretende instalar, nesta capital, um serviço de irradiações fônicas a domicílio, mediante modesta mensalidade, a fim de que possam gozar de tão importante melhoramento até mesmo as pessoas menos abastadas.As irradiações fônicas consistem na transmissão a domicílio da radiotelefonia recebida do Rio, Buenos Aires e Montevidéu. Também serão transmitidos a domicílio: concertos, discursos, conferências, séries humorísticas, poesias, audições teatrais, receitas úteis para as famílias, notícias importantes e tudo aquilo que possa interessar às famílias”.
Juan Ganzo e Edison Ganzo.
Segundo Evaristo Bicca, a sugestão de envolver no projeto a empresa controlada por ele não prospera:– Dentro da própria Companhia Telefônica Rio-grandense, o coronel Ganzo encontrou, por parte de outros diretores – Victor Coussirat de Araújo e Viterbo de Carvalho – objeções ao projeto que acabou não passando disso.
A solução veio inspirada na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, captada com dificuldades na capital gaúcha. Os amadores da radiotelefonia, como eram chamados então, iriam trilhar o caminho do associativismo, criando nos meses seguintes uma entidade quase homônima à de Edgard Roquette-Pinto. Na fundação desta Rádio Sociedade Rio-grandense, destaca-se Edison Ganzo, em quem, gradativamente, cresce o interesse pelos aspectos técnicos da radiodifusão. É ele que, com Evaristo Bicca, busca em Buenos Aires o equipamento transmissor a ser usado pela estação pioneira do Rio Grande do Sul, que vai operar, de modo esporádico, de 7 de setembro de 1924 até meados do ano seguinte. Mais tarde, o mesmo Edison Ganzo ajudaria, com seus conhecimentos, a criar a segunda emissora de Porto Alegre, a Rádio Sociedade Gaúcha.
Assim, a irradiação inaugural da radiodifusão gaúcha naquele Dia da Independência não poderia mesmo ocorrer em outro lugar. É na Vila Diamela, a ampla propriedade dos Ganzo, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, que nasce o rádio no Rio Grande do Sul. Atravessa, hoje, o local da antiga propriedade uma ampla avenida que leva o nome da família de origem hispânica.
O rádio, no entanto, não seria a única inovação ligada à família Ganzo. Graças à Companhia Telefônica Rio-grandense, Porto Alegre, inaugura, em 19 de abril de 1922, o seu sistema de telefonia automática, um avanço tecnológico, na época, inédito em toda a América do Sul, compartilhado apenas com Rio Grande, também por obra da empresa. Antes disto, todas as ligações dependiam sempre de uma intermediação da telefonista. Fora isto, a família participa de empreendimentos como a Companhia Rio-grandense de Usinas Elétricas, com centrais em várias cidades do estado. Quando, em meados dos anos 20, seus negócios em telefonia são vendidos para um grupo dos Estados Unidos, o coronel Ganzo dedica-se a um zoológico montado na sua propriedade no Menino Deus, o primeiro do estado. Em 1927, a família transfere-se para Florianópolis, passando a explorar os serviços de telefonia na capital catarinense, dando continuidade a uma trajetória de intensa ligação com a comunicação eletrônica, trajetória interrompida em fins da década de 60, com a encampação da empresa pelo governo ditatorial do general Costa e Silva.


Artigo escrito por Luiz Artur Ferraretto no site: http://www.carosouvintes.com.br/index.php?option=content&task=view&id=911&Itemid=97

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